quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Devo-te a vida II


Atenção: Este texto só deve ser lido por pessoas que não tem mais nada para fazer e não se importam de vir a ter caimbras cerebrais tal como a Patricia do blog "de saltos altos".

Uma coisa que aprendi ao longo do tempo foi que na tropa nunca está bom tempo, ou está muito frio ou demasiado calor, eu tive a "sorte" de entrar em Novembro o que apanhei aquele inverno todo. Tive de me chatear comigo proprio para tomar uma atitude e alistar-me com 18 anos acabadinhos de fazer, mas com aspecto de um puto de 15.
A primeira fase da instrução é talvez a mais dura, pois o objectivo é fazer com que o individuo esqueça completamente a vida civil, sem televisão, computador e saidas á noite, todos os vicios civís serão eliminados com metodos psicologicos e fisicos, uma autentica lavagem ao cerboro.
Depois de receber uma farda, botas somos automaticamente deles, fome, frio, humilhações, cansaço e com sorte se te portares mal, ainda se tem direito a um forte soco no estomago o que nos faz arriar para baixo e depois de estar no chão é ao pontapé.
Depois no fim tive-mos uma semana no campo que pareceu um mês, onde perdi seis quilos, a semana de campo é uma das provas finais por assim dizer, onde temos de aplicar tudo que aprende-mos durante a instrução, esta ultima tem incluido na ementa: treino de sobrivivência, TIC (tecnica individual de combate), prisioneiros de guerra, marchas nocturnas e diarias, infiltração, topografia e tiro.
Nesta semana o individuo é levado ao limite, tanto fisico como psicologico, e nós andava-mos sempre na red line.
Quem já passou por situações parecidas, sabe que se chega a um ponto em que se dorme em segundos (a privação de sono durante 1 semana tem os seus efeitos ) e se chega a dormir em andamento, como me aconteceu a mim e a muitos outros em algumas marchas…Bem…mas isto dava outra história….
Ao segundo dia de campo, ja estava-mos a rebentar pelas costuras, foi então que tive-mos que prencher um pafleto com uma serie de questões, só me lembro de uma em especial que dizia o seguinte: Vai participar numa prova onde pode perder a vida, se perder a vida aceita doar os seus órgão ?
Mas que é esta merda? - perguntei-me eu - isto na cabeça de um recruta exausto e constantemente no limite físico e psicológico, cai como uma bomba.
Eu lembro-me que não liguei muito na altura, porque estava demasiado cansado para sequer pensar, disse que sim como todos os outros e assinei um papel que nem me lembro de ler.
Dpois disto, o capitão deu o seu discurso e pediu a todos que dessem o maximo em todas as provas que se avizinhavam, fomos colocados em pequenos grupos, e embarca-mos noite cerrada, pela mata fora dentro de UNIMOG's , os olhos foram-nos vendados para não termos noção do trajecto, caso quisessemos desistir e voltar para tras, ou ate mesmo desertar. Depois eramos largados dois a dois, em diferentes pontos da mata.
Ia eu e outro camarada, calados e atentos, quando vimos três sargentos a gritar como se estivessem acorrentados todos juntos a uma arvore, com as maos atras das costas, quando nos aproxima-mos, quando nos aproxima-mos eles tirarm as maos de tras das costas e reparamos que tinham calçadas umas luvas de boxe, foi então ai que começou a chover murro por todo lado, depois disso foi-nos ordenado que calçace-mos as luvas de boxe e lutasse-mos um com o outro.
Quando se passam por dificuldades, provações entre camaradas, cria-se um espírito de corpo, de camaradagem e em que fazemos tudo uns pelos outro,é algo que não se vive na vida civil e nem em todas as instituições militares, nada como passar uns maus bocados para unir um grupo de desconhecidos e os instrutores sabem disto, pelo que na continuidade da parte psicológica do curso, somos obrigados confrontar um camarada que nos ajudou, apoiou e que passou pelas mesmas coisas que nós, e com ou sem um nó na garganta, temos que superar essa barreira e agredi-lo até ele cair ou ele sangrar, mas como nós ja sabia-mos da existencia dessa prova, ja tinhamos combinado que durante o combate eu trincaria o labio ate fazer sangue para que a mesma prova terminasse.
Depois disso as lembro-me ainda de levar com um baldes cheios de porcarias, e ter que transpor um arame farpado enqunto se ouviam rebentamentos, durante o percurso havia sempre graduados que de vez enquanto distribuiam porrada ao pessoal, quanto a nós era andar e calar e ... chorar.

Já ca para o fim dessa prova, vejo uma fogueira acesa, eu e o meu camarada tenta-mos passar por ela despercebida porque sabia-mos que eram graduados, mas eles deram conta de nós e disseram-nos:
- Camarada, o vosso comandante de pelotão mandou vir aqui.
Nós muito desconfiadosdirigimo-nos a eles, com o sobrolho levantado.
- è verdade camarada, a prova terminou, sentem-se e aqueçam-se um bocado, querem sandes de manteiga com fiabre ou paio?
Eu disse que não queria e ele insistiu muito…perguntou se queria de paio, presunto ou queijo…lá tive que responder e disse paio…”Ai queres uma sandes de paio ??? Então toma lá !!!” Saca do braço direito detrás das costas e acerta-me com um directo nos queixos que me fez rebolar até à àgua, felizmente nunca larguei a arma, mas outros não o fizeram e esses aí, levaram a ementa completa.Ainda me perguntou se queria outra sandes mas eu já estava a dar corda aos sapatos.
O pior da semana de campo foi a chuva, andava-mos sempre encharcados, e por vezes não sei se era eu que chorava ou se era a chuva que o fazia por mim.
Houve uma vez que tive de mijar nas mãos para poder mecher os dedos.
O pior de tudo era a noite, de dia era complicado mas á noite a ausencia da luz era deprimente.
Durante a semana de campo, nao existem relogios, telemoveis, chocolate ou tabaco e para quem nao sabe o tabaco na tropa vale ouro, e uma semana sem tabaco levava o pessoal ao limite, tinha-mos de improvisar cigarros, folhas de eucalipto.
Depois da semana de campo, somos enviados para determinados quarteis ao longo do pais, o pessoal com melhor nota (sim na tropa tem que se estudar), vai para os quarteis mais perto de casa, os restantes sao colocados para o mais longe possivel.
Depois de se ingressar no novo regimento os instrutores ja conhecem os choramingas, dedicados, inteligentes, burros e os fortes. Fui prachado e não tem nada a ver com prache universitaria, é talvez trêz vezes pior mas isto varia de quartel para quartel.
Depois disto as coisas tendem a ser mais facilitadas.


Recém chegado ao novo regimento acabadinho de sair da recruta, seguiram-se os procedimentos habituais; apresentação ao capitão e ao sargento ajudante do esquadrão operacional, este mesmo esquadrão orgulhava-se de dispor dos melhores homens, prontos para qualquer missão em qualquer parte do globo.
O ambiente que reinava neste quartel operacional era muito diferente do que eu tinha levado na recruta, tinha de certa forma uma aspecto pisitivo que ao contrario do que se passava na recruta já não se levava porrada e podia-se sair á noite e correr os melhores bares da cidade onde gastava a maior parte do meu dinheiro, mas tudo isto mantendo sempre o estatuto que o codigo moral e social de um soldado assim exigem.
Logo ao entrar na minha nova caserna que iria partilhar com mais seis camaradas, constantei as diferenças, havia computadores portateis por todo lado, musica e ate televisão, portas dos armarios abertas revelavam fotos de mulheres nuas estampadas como posters.
Dois soldados estavam deitados, um deles completamente nú, um outro permanecia de pé igualmente nú, com uns chinelos de plastico calçados e uns auscultadores nos ouvidos e dançava em movimentos desordenados que nada tinha a ver com a musica, quando se deparou comigo não se sentiu de modo algum incomodado e continuou a dançar.
Foi então que entrou o cabo que era quem mandava na caserna, vinha de tomar banho, completamente nú, assobiar e com um olhar alegre, até ao momento em que me viu.
- Quem és tu abelhinha?
Rapidamente me coloquei em sentido e fiz a minha apresentação tal como me foi ensinada, depois de ele ouvir aquela coisa, toda olhou para o gajo que estava deitado nú e desatou a rir o que me deixou um pouco embaraçado.
- Olhou para mim uma vez mais com uma expressão que me deixava um pouco assustado, apontando para o pénis dele, disse:
- Abelhinha achas este tamanho normal?
Fiquei sem saber o que responder, deduzi logo que o principal objectivo daquele homem era intimidar os acabados de chegar.
- Acho que é normal - disse eu, engolindo um sorvo de saliva.
Desatou a rir e continuou o seu caminho, mais tarde vim a descobrir que ate era um gajo porreiro, e que ao contrario de outros cabos era mesmo um bacano tirando o facto de estar sempre a cravar cigarros.
De facto todos os meus colegas de quarto inclusive o cabo era tipos descontraidos e lunaticos, mas simpaticos de certa forma.



Ser Militar é uma dose de qualidade de vida e um dote pessoal. É um modo diferente de estar nesta vida. É um Homem sentir-se preparado física e
mentalmente, para a defesa da sua Pátria, se necessário, até às últimas
consequências. Militar não é quem quer... é quem pode e quem luta por isso... até à última gota de suor... até ao último sopro de força . É gente com Vontade e Valor.
Uma das únicas desvantagens é o facto de depois de passares um bom tempo no exercito num quartel operacional, existem idividos que ficam inaptos para a vida civil ! Nao sou eu que o digo, sao as gerações de soldados que, uma vez regressados à vida civil se vêm confrontados com todo o tipo de problemas. Se casarem e constituirem familia, existem geralmente problemas em casa... A taxa de suicidios é tao elevada entre os ex-soldados que combateram nas colonias que realmente chegou a altura de se colocarem questoes sobre este assunto...
E muitos desses ex-combatentes são sem abrigo, e outros dedicaram-se ao crime organizado

È triste mas é a realidade.

Mas agora vou para a faculdade, afinal ainda estou a tempo.
Mas uma coisa é certa;
“A tropa esquece o soldado, mas o soldado nunca esquece a tropa”

Rik

5 comentários:

  1. Deliro com estas histórias militares! "por vezes não sei se era eu que chorava ou se era a chuva que o fazia por mim"... Gostei mesmo... Agora já podes tirar outra vez... eh eh eh **

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  2. Claudia
    Ainda bem que gostastes Claudia, thanks ;)


    Patricia
    è mesmo assim, e por vezes fatam-me as palavras para descrever o turbilhão de sentimentos que me evadiam na haltura.
    Bem desta vez não vou tirar, parece-me que ficou bem! ;)

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  3. b
    Nem sempre é assim, depende muito da instituição militar, do tipo de especialidade, o exercito regular e existe dentro do mesmo, as tropas especiais o que como o proprio nome indica, tudo é "especial" :)

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